Contra o dia burocrático e o modo funcionário de viver

30.1.07

De regresso

Cumpridos os deveres que me mantiveram cativa, e o linha.de.conta solitário, estou de regresso. Por um acaso do destino, no dia em que a campanha do referendo conhece o seu início.
Nova escrita e novidades no linha.de.conta ainda hoje.

23.1.07

Dia burocrático

«Todo o dia a insónia
Me convence que o céu
Faz tudo ficar infinito
E que a solidão
É pretensão de quem fica
Escondido, fazendo fita
»

In «Veneno Antimonotonia, Os Melhores Poemas e Canções Contra o Tédio»

Mais Marias na Terra II

No Sábado passado, dia 20, o DN publicou uma peça sobre a blogosfera e o referendo, os blogues e bloggers pelo «Sim» e pelo «Não». Por lapso, fui confundida com a Marta Rebelo do «Blogue do Não».
De facto, não. Não sou eu quem escreve naquele blogue. Aliás, além do linha.de.conta, escrevo desde hoje e até 12 de Fevereiro no «Sim no Referendo».
Recebi vários e-mails, que agradeço, dando-me conta do lapso. Mas o próprio DN deu conta do dito, e emendou-o no Domingo, dia 21 (página 7):

«Pelo "sim" - Socialista Marta Rebelo defende despenalização
Ao contrário do que o DN ontem afirmou por lapso, a socialista Marta Rebelo defende o "sim" no referendo sobre o aborto, e ainda ontem participou na iniciativa do PS no Teatro Camões. Com efeito, esta jurista do gabinete do secretário de Estado Eduardo Cabrita não é a mesma Marta Rebelo que faz parte do blogue dos defensores do "não". Às visadas e aos leitores as desculpas".»

Há mesmo mais Marias na terra, já dizia o povo.

22.1.07

If

Nestes dias de tantas suposições, e eu em busca de concentração, faço uma visita rápida ao linha.de.conta, para inspirar decisões.

IF
by Rudyard Kippling

If you can keep your head
when all about you are losing theirs
And blaming it on you.
If you can trust yourself
when all men doubt you
But make allowance for their doubting too.
If you can dream and not make dreams your master
If you can think and not make thoughts your aim
If you can meet with triumph and disaster
And treat those two impostors just the same.
If you can bear to hear the truth you've spoken
Twisted by knaves to make a trap for fools
Or watch the things you gave your life to, broken
And stoop and build'em up with worn out tools.
If you can make one heap of all your winnings
And risk it on one turn of pitch and toss
And lose, and start again at your beginnings
And never breathe a word about your loss.
If you can force your heart, and nerve, and sinew
To serve your turn long after they are gone
And so "hold on" when there is nothing on you
except the will which says to them "hold on!"
If you can talk with crowds and keep your virtue
Or walk with kings, nor lose the common touch.
If neither foe nor loving friend can hurt you.
If all men count with you ... but none too much.
If you can fill the unforgiving minute
with sixty seconds worth of distant run.
Yours is the earth, and everything that's in it.
And which is more ... You'll be a Man, my son.

20.1.07

Sim

Está um novo blogue no ar, o «Sim no Referendo». O objecto é óbvio, será encerrado no dia 12 de Fevereiro, e o elenco fala por si só, «e outros virão»: sim-referendo.blogspot.com.
A carta de intenções:
«Todos os participantes neste blogue concordam com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado. E votarão “sim” no referendo de 11 de Fevereiro.»

19.1.07

«A lei tem de ser outra»

Apesar de só ter entrado neste fantástico mundo da blogosfera no dia 1 de Janeiro, é fácil perceber que parte da pimenta desta moda de escrita é, de facto, o ping-pong. Sobretudo quando está em causa a questão a referendar dia 11 de Fevereiro. Não só. Mas por ora, sobretudo.
Ora, como já dizia ontem, ping-pong não jogo.
Deixo, para os interessados, a declaração que tive oportunidade de fazer no Encontro de Juristas que ontem moderei, promovido pelo Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo Sim, que integro.

«Cinco anos depois da leitura da sentença do julgamento da Maia

No dia 26 de Junho de 1998, a Democracia ofereceu-me a primeira grande desilusão cívica: 68,2% dos eleitores portugueses demitiram-se do dever de votar no primeiro referendo do Portugal Democrático. De entre esta enorme massa de 68,2% de abstenções, no meu grupo etário de então – dos 18 aos 24 anos – a abstenção foi de 80%. Mesmo conhecedora das imperfeições deste sistema que, não sendo idilíco, é o melhor que soubemos encontrar, as minhas estruturas abalaram. Mas não as minhas convicções. A penalização da interrupção voluntária da gravidez é injusta, é hipócrita, é uma paupérrima resposta social às mulheres que se confrontam com esta decisão. Era em 1998. Mais vincadamente é em 2007.
O Julgamento da Maia pôs a nú a falácia de pelo menos dois argumentos estruturais de quem defende o «Não».
Em primeiro, o argumento em que o «Não» de 1998 tantas vezes se refugiou: o planeamento familiar, a educação e a informação tornariam a lei existente suficiente, e o aborto clandestino diminuiria. Erro: o aborto clandestino aumentou, e com ele custos sociais intoleráveis para uma sociedade defensora da vida. A lei tem de ser outra.
Em segundo lugar, o argumento do «Não» de 2007: deixemos a lei como está, em Espanha preceitos semelhantes são suficientes, em Portugal a lei não dá lugar a procedimentos judiciários e penais, procedimentos que a própria lei prevê! Aliás, advogam, mantenha-se a lei, mas suspenda-se a sua aplicação. Ora, o Julgamento da Maia, senão outros, prova que ainda que de quando em vez, a lei é efectivamente aplicada. E, ensinam-nos no primeiro ano do curso de licenciatura em Direito, o princípio da legalidade é um pilar essencial do Estado de Direito em que vivemos.
O Direito Penal reflecte a censura social face a comportamentos que a comunidade não tolera, uma censura sólida e sedimentada. Evolui a tolerância ou intolerância da sociedade, evolui o Direito Penal. Mas o que no Código Penal está escrito, não pode ser letra morta. Sejamos sinceros, quando a letra morre, a lei padece, não permanece. A lei tem de ser outra.
Antes ainda de passar a palavra aos nossos oradores e retomar o meu papel de moderadora e não de comentadora, gostava de dirigir um pedido a cada um dos eleitores portugueses: no dia 11 de Fevereiro, votem. A cada um dos jovens que constituem os grupos de risco de larga abstenção: votem. E a cada pessoa, que não personalize a questão, não pense o que faria, como faria, onde faria. Pergunte-se: perante a decisão, dolorosa, de interromper uma gravidez, quero que a resposta da minha sociedade seja a prisão, e que a mulher se esconda numa clandestinidade que a pode marcar ou matar? Ou quero que a resposta da minha sociedade seja trazê-la para o sistema e apoiá-la medica e socialmente? A resposta só pode ser uma, e é esta última.
A interrupção da gravidez, a pedido da mulher, até às 10 semanas, desde que realizada em estabelecimento de saúde legalmente autorizado, tem de ser despenalizada. A lei tem mesmo de ser outra.
»

Caro João, do Portugal dos Pequeninos, parece que omeletas se fazem com ovos, e eu não entro com nenhum. Sabe a minha opinião e conhece as minhas convicções.

18.1.07

Ruído e demagogia à volta do referendo

Mário Bettencourt Resendes escreve hoje, no Diário de Notícias:

«Como era previsível, o debate público sobre o referendo de 11 de Fevereiro entrou já numa fase em que a multiplicação do ruído muitas vezes distorce ou relega para segundo plano a matéria de substância que está, de facto, em causa.

Desde logo, não se entende a relutância, ou mesmo oposição ao referendo, manifestada por alguns partidários do "sim". É uma questão de ética democrática e, neste caso, não faria sentido deixar por cumprir a promessa de realizar nova consulta popular antes de qualquer eventual alteração legislativa. Para "vitórias na secretaria" já basta o que acontece noutros domínios da vida portuguesa.

Em segundo lugar, não é de mais repetir que não se vai votar contra ou a favor da interrupção voluntária da gravidez, mas sim referendar a possibilidade de despenalização do aborto efectuado nas primeiras dez semanas da gestação. Ora, o que se tem ouvido e visto, com frequência indesejável, é um conjunto de declarações demagógicas ou insensatas, desviando as atenções da questão central e procurando influenciar os cidadãos com base em argumentos laterais.

Não se percebe, por exemplo, como adeptos do "não", que deveriam ser exemplares na prioridade às convicções, se alargam na "monetarização" do problema, quase como se estivesse em causa "apenas" mais uma componente do défice do Orçamento do Estado. E também não se entende a imprudência de algumas palavras do ministro Correia de Campos, que corre o risco de deixar muita da sua obra positiva encoberta por uma tendência, aparentemente irreprimível, para o excesso verbal.

A pouco mais de três semanas da votação, exige-se aos protagonistas de primeira linha, dos dois lados das convicções em confronto, o respeito pelas consciências e um discurso público compatível com a importância do tema. Dos cidadãos eleitores espera-se que decidam "pela sua cabeça", independentemente de simpatias - ou antipatias... - pessoais e políticas pelos rostos da campanha em curso.
»

Sim Esclarecido

Um novo blogue está no ar, reunindo texto, excertos e artigos de todos quanto, esclarecidamente ou procurando intensificar o esclarecimento, escrevem sobre o «Sim» no Referendo de 11.02. O lema é claro:

«O Blogue que reúne informações e opiniões do SIM, sem o ruído dos fait-divers, do ping-pong de acusações, da propaganda politica e das noticias de jantares»

Os debates, os jantares e o envolvimento dos políticos também é necessário, haja é posições afirmativas e esclarecidas; fait-divers não devem passar disso mesmo, e ping-pong não jogo. Não jogo mesmo.

http://sim-esclarecido.blog.com

17.1.07

Cinco anos depois

O Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo Sim assinala a passagem de cinco anos sobre a data da leitura da sentença do Julgamento da Maia.

Maia, 11h30m
Tribunal da Maia
Depoimentos de pessoas envolvidas no julgamento da Maia.
Participação de Pedro Bacelar de Vasconcelos

Lisboa, 18h00m
Debate com Juristas
Hotel Zurique*
Alice Brito
Eduardo Maia Costa
Filomena Delgado
José António Pinto Ribeiro
Marta Rebelo
Paula Teixeira da Cruz
Depoimento escrito de José Miguel Júdice

Apresentação de dois spots de video: "Julgamentos de Mulheres"
Realização de Inês Oliveira. Produção de Isabel Machado.
Elenco: Teresa Madruga, Cândido Ferreira, Marina Albuquerque, Pedro Lacerda, Maria
Emília Correia, Carla Bolito.

*Rua Ivone Silva, 18, ao Campo Pequeno

Ritmo

Recebi, via e-mail, questões, insinuações e perguntas, todas com uma interrogação comum: já vencida pelo ritmo da blogosfera? Porque é que o ritmo e a dimensão dos posts no linha.de.conta diminuiram?
Não. Não desisti, não me vi vencida pelo ritmo - acelerado, reconheço - da blogosfera. E não. Definitivamente não. Não deixei de defender com toda a intensidade que me é possível o «Sim», no referendo de 11 de Fevereiro. Não acredito senão no «Sim», e não peço senão uma abstenção irrelevante.
Acontece, simplesmente, que deveres académicos alteraram temporariamente o meu quotidiano. E, portanto, a cadência é mais lenta, no linha.de.conta. Mas não há desistências.

16.1.07

Quem teme as tempestades, acaba a rastejar


Foram hoje lançados os «Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco», na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, sua casa.
São três volumes, 3224 páginas de muitos autores, juristas e não só, que quiseram prestar tributo e relembrar António de Sousa Franco. Como muitas vezes me dizia, citando Horário e incentivando à comissão e coragem, «quem teme as tempestades, acaba a rastejar». É bem verdade.

Ganharam os bons

Babel foi mesmo o melhor filme de 2006, de acordo com os jornalistas estrangeiros sediados em Hollywood. Hellen Mirren viu confirmado o seu estatuto de realeza na performance de A Rainha, e a diabólica Meryl Streep ganhou mais um prémio (ainda que desgastada e desgostosa pela ausência de papéis interessantes para as mulheres da sua idade... mas tem idade, esta senhora?). Scorsese foi o melhor realizador, por The Departed, onde maus e bons estão irremediavelmente condenados ao mesmo fim.

15.1.07

O perdão

Hoje, dia 15 de Janeiro de 2007, Zapatero, Primeiro-Ministro de Espanha, assumiu o «claro erro» cometido ao negociar as tréguas com a ETA. E estendeu, inutilmente, a mão a Mariano Rajoy, líder do PP, severo crítico do processo negocial. Rajoy não perdoa.
Há três anos, no dia 14 de Março de 2004, Zapatero ganhava as legislativas espanholas, sucedendo ao muito bem sucedido José Maria Aznar, depois de Mariano Rajoy, candidato sucessor do grande líder do PP, e entourage - que iam tão bem nas sondagens - tentarem convencer os espanhóis de que o 11 de Março havia sido obra da ETA. Os espanhóis não perdoaram.

14.1.07

Vidas Escritas

De Javier Marias. Não, não é uma novidade literária. O madrileno escritor trouxe-o ao prelo em 1992. Foi por empréstimo do João Villalobos, do Corta-fitas, que o li pela primeira vez, em 1996. Reencontrei-o outro dia, na Almedina, em versão inglesa. Não resisti à releitura, e não resisto à partilha.
São vinte vidas, de vinte génios da literatura. Vinte breves biografias que ganharam, pela mão de Javier Marias, a forma de quase-contos sobre personagens que parecem ficcionadas – tão distantes andam, por vezes, da grandeza idealizada pelo leitor, e tão perto da banalidade que lhe é quotidiana – mas retratadas de forma precisa e profunda, em polaroids amenos e elegantes (são mesmo short stories, com não mais de dez páginas).
Estão todos mortos, e foram todos brilhantes. As minhas biografias favoritas: Wilde e o seu desapontamento antes – «life sells everything too dear, and we buy the most wretched of its secrets at a monstrous, infinite price» – e depois de Reading – «and all man kill the thing they love, by all let this be heard, some do it with a bitter look, some with a flattering word, the coward does it a kiss, the brave man with a sword!»; Kipling, o Nobel de 41 anos (1907) que viajou a Estocolmo para receber o prémio e encontrou uma enlutada Suécia, jazia morto o Rei, era constantemente confrontado pelos petizes, de quem tanto gostava, porque copiar o seu famoso «If» era castigo usual na escola; e Giuseppe Tomasi di Lampedusa, o escritor que só foi genial 17 meses depois de morrer, porque a única coisa extraordinária da sua vida, a novela «II Gattopardo», só foi tida por extraordinária depois dela, da vida: publicado em 1956, Lampedusa morreu em 1957. Em 1963 Visconti filmaria «O Leopardo», filme da vida de muito boa gente, com a célebre tirada de Alain Delon, vestindo a pele de Trancedi Falconeri: «para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude».
Depois desta short version do brilhantismo literário alheio, podemos visitar o blogue do biógrafo que também é um grande escritor: www.josemarias.es/blog.html. E (re)ler «O Homem Sentimental», «Desde que te vi Morri» e «Todas as almas». Entre outros.

O trinómio

Li há uns meses um livro do João Céu e Silva, «As Mulheres que Tomaram Partido», conjunto de relatos parciais da existência feminina pré-revolução, uma realidade que me é, aparentemente, tão distante. Gosto do João, gostei do livro. O quadro partidário que lhe serve de cenário é distinto das minhas referências, mas li, e reflecti.
Não sei o que é ser clandestino, senão nos sentimentos e no repúdio. Não sei o que significa esconder opiniões, senão deliberadamente. Nunca senti a privação de liberdade, temporária ou absoluta. É, em geral, difícil ser mulher na esfera pública, na pólis, em Portugal. Mas nunca deparei com a proibição absoluta de ser alguma coisa ou de fazer coisa alguma por ser mulher.
Tenho quase 29 anos, e as mulheres de quase 29 anos não têm recordação dos anos da ditadura, da clandestinidade e do proibido. Votamos, falamos, usámos mini-saias e delas só abdicámos porque estavam démode ou para nos levarem a sério, e podemos sempre revisitá-las. Nunca estive presa, nunca visitei um preso político – por aqui já os não há? –, nunca escondi um político – só planificações políticas sigilosas – e já critiquei em letra impressa de jornal nacional, verbalizei a crítica, deixei-a aqui. Sem censura.
Não sei o que é ser mulher noutro quadro que não este, que muitas vezes já sinto limitado. Uma vida sem liberdade – para todos – e sem liberdades – iguais entre Homens e Mulheres – está para lá do que imagino. É certo que a liberdade feminina ainda é relativa, mas na teoria e na Constituição, o género é irrelevante. Partimos, fundamentadas na sede de todas as liberdades civicas (constitucionais), do mesmo ponto. Ainda que o teórico e o real se não toquem aqui e além, e que muito me custe assumir esta relatividade das coisas.
Ninguém manda em mim. Não casei para ser ordenada, mas por opção. Não estudei para ser bem-criada, mas porque quis e pude. E mesmo quando sou a única numa sala ou mesa de reuniões, não é porque o género seja condição de acesso e eu especial: é porque quero, posso e optei por estar.
Por tudo isto, para uma mulher portuguesa de quase 29 anos, assistente universitária, jurista, que pretende existir politicamente, tomar partido não é uma dificuldade, é uma possibilidade. Uma opção. E preservar a memória, e na memória, que outras me precederam para que o trinómio liberdade-possibilidade-opção suceda na minha vida, pese embora opcional, deveria ser obrigatório. Afinal, o mundo ainda está cheio de lutas em curso e porvir, e «uma luta só de homens nem sequer é justa, não foi por acaso que elas sempre andaram por lá».

P.S.1. Pertenço ao segundo grupo etário de risco, falando de abstenção. Neste referendo ou em qualquer outro acto eleitoral. Nem «rasca», nem «à rasca», mas desmemoriados.

P.S.2. Em resposta a outro amigo, que se interrogou sobre as minhas convicções relativas ao género (quando aqui escrevi o post «Da Paridade»): sou só pragmática. Acho que ele percebe, ou perceberá, o que quero significar com este pragmatismo, que a genética tem a sua diferença.

Deslinks

Uma das meninas do Womenage a trois recomendou-me o deslink. Faço-lhe a vontade. Mas continuam a estar «em linha» matinal.

11.1.07

Commodities revolucionárias (América do Sul III)

A «República Socialista da Venezuela» entrou em acelerada marcha de constituição. A Lei Habilitante Revolucionária que Chavez anunciou estar a caminho da Assembleia Nacional permitirá ao chavismo a intemporalidade (reeleição indefinida do Presidente, por ora apenas eleito para um mandato de seis anos), diluir a autonomia do banco central e recuperar a «propriedade social sobre os meios estratégicos de produção». À letra: renacionalizar o que havia já sido privatizado, inverter a marcha e fazer retornar ao sector público as telecomunicações, electricidade e água. Por agora.
A primeira marca do «Socialismo do Século XXI» está registada nos anais da história bolsista venezuelana, que caiu 19% depois do discurso de tomada de posse de Chavez. A primeira vítima também já tem identidade: a Compañía Anónima Nacional Telefónica de Venezuela (CANTV), privatizada em 1991. A CANTV é pertença de um consórcio formado pelas norte-americanas GTE e AT&T, pela Telefónica (com 6%), pela venezuelana Electricidad de Caracas (a nacionalizar brevemente) e pelo Banco Mercantil, da mesma origem.
As mexicanas América Móvil e Telmex aguardavam a aprovação pelo regulador venezuelano (ainda existem entidades reguladoras na Venezuela?) da OPA que lançaram, em 2006, sob a CANVT. A operação integrava-se num acordo de compra de activos latino-americanos pela Verizon, dos EUA. Desintegrou-se.
No Financial Times, Kevin Morrison perguntava-se ontem: Is the party over for commodities? Se na Europa talvez, na América Chavista e Sandinista, acabou seguramente.

P.S. Organizações indígenas, apoiadas por líderes sandinistas, alvitraram ontem o nome de Evo Morales para o Prémio Nobel da Paz de 2007! Talvez pela enorme pacificação trazida ao mundo pela nacionalização dos hidrocarbonetos bolivianos (petróleo e gás natural) em 2006, ou pelo apaziguamento garantido pelo anúncio da nacionalização das minas, em plena tomada de posse do nicaraguano Daniel Ortega. Não. Será certamente pelo imperativo de paz mundial cumprido através da ampliação da superfície de cultivo legal de coca, de 12 mil para 20 mil hectares, decidida em Dezembro, como medida estruturante do combate ao narcotráfico.

10.1.07

Carlo Ponti 11.12.1912, Magenta, Itália - 10.01.2007, Genebra, Suiça

Da paridade

Quando pelo mundo se celebra a conquista da presidência do Congresso Norte-Americano pela democrata Nancy Pelosi, a possível candidatura de Hillary Clinton no mesmo país, a efectiva candidatura francesa de Ségolène Royal e nós temos uma Lei da Paridade (mas paridade empresarial zero), em Loulé criam-se hábitos.
Não, este post não é uma inflamada declaração, é uma nota sobre a paridade vista de outro ângulo: em Penafim, concelho de Loulé, tem inicio em finais de Janeiro o I Curso de Iniciação à Culinária, cujos destinatários são, exclusivamente, os homens da terra. O módulo é básico, com ensinamentos rudimentares da arte da culinária (descascar batatas e cebolas, etc.), mas a organização - o Centro Cultural Local e a Junta de Freguesia - admite oferecer-lhe continuação. Haja bons e interessados alunos. São dois meses de predisposição masculina e 20 euros pelo curso.

Da exclusão financeira

O tema do microcrédito ganhou um protagonismo impar com a atribuição do Prémio Nobel da Paz de 2006 a Muhammad Yunus e ao seu «Grameen Bank». É interessante observar que o «Norwegian Nobel Commitee» não havia antes galardoado alguém ou alguma entidade cujo pendor ou actividade tivesse uma natureza eminentemente financeira. Este prémio reconheceu uma tendência que começa a definir tonalidades na Europa Ocidental e na própria União Europeia, no quadro da Estratégia de Lisboa: só a correcção de assimetrias e a coesão – igualdade, ao menos de oportunidades – colocam o indivíduo num ponto de partida cuja meta não seja a repetição do infortúnio.
Baseado num sistema quase medievo de empréstimos garantidos pela confiança, a microfinança moderna surge nos anos setenta como um importante instrumento de desenvolvimento económico. Relembre-se que o «Grameen Bank» de Yunus foi criado em 1976, no Bangladesh. Naturalmente, os instrumentos micro destas finanças inclusivas destacaram-se sobretudo nos países em desenvolvimento. O fenómeno não é, porém, novidade na Europa.
Mas o que é a microfinança e o seu microcrédito? A primeira resulta da aplicação dos instrumentos e operações do sistema financeiro tradicional a um conjunto de destinatários excluídos dessa sistemática: camadas da população de menor renda, desempregados, imigrantes, mulheres (cuja emancipação financeira em muitos países em desenvolvimento começou, timidamente, por esta via), pessoas com histórico de crédito e registo de posses que não são cabal garantia para o sistema financeiro. A par dos microseguros, por exemplo, surge o microcrédito, empréstimo de pequena dimensão, a taxas de juros micro, facilitador do auto-emprego, da criação de microempresas e, em suma, do empreendedorismo social.
A queda do Muro de Berlim induziu à criação de instituições de microfinança na Europa de Leste e Central, que movimentaram desde então os depósitos de 2,3 milhões de europeus, emprestados a 1,7 milhões, crescendo esta sector 30% ao ano.
É na Europa Ocidental que se encontra notícia. Entre nós o microcrédito tem raízes sólidas, mas que se perderam completamente na segunda metade do século XX. As Misericórdias, as Caixas de Crédito Agrícola e as Caixas Económicas e Mutualistas perduram, mas integralmente transfiguradas. No final da década de 70 a «Caritas» ainda promoveu um programa de microcrédito destinado aos retornados das ex-colónias, mas só em 1999 foi criada a Associação Nacional de Direito ao Microcrédito, mediadora entre os candidatos a estes empréstimos e a banca. Mesmo no dobrar do ano novo, o Governo e a ANDM assinaram um acordo que destina àquela associação 700 mil euros de apoio do Estado para reforço da sua missão e chegarmos aos 220 microcréditos por ano. Micro número, ainda.
Como é perceptível, o impacto social da microfinança pode ser crucial para a inclusão e independência dos actores sociais. A exclusão financeira, reflexo de fenómenos variados de exclusão social, é um permanente replay que vicia o circulo. Haja paz no mundo pela economia, quando o Médio Oriente ferve mas o barril de petróleo valeu esta manhã, no mercado de futuros de Londres, menos 29,4% (de 60 euros para 42,37) do que em Agosto de 2006.

9.1.07

And all that jazz

Brad Mehldau torna a Portugal, a solo: Theatro Circo de Braga (23.01), CCB (24.01) e Cine-Teatro de Alcobaça (25.01). O pianista de jazz, de estilo e influências diversificadas, participou nas bandas sonoras do último filme de Kubrick (e último do casal Kidman/Cruise, já «De olhos bem fechados» um para o outro) e no «Million Dollar Hotel», de Wim Wenders. Dizem que é um dos melhores do mundo. Deve andar por lá.

8.1.07

Não sou impaciente nem comum

A última referência inspiradora do linha.de.conta de origem não revelada: muito lá me baixo, no fim dos 15 posts visíveis, a frase de Pessoa: «Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim». Livro do Desassossego

iPod terapêutico

Para os aficionados deste maravilhoso gadget, boas notícias. O vício compensa. Um estudo recente de uma investigadora de enfermagem da Cleveland Clinic Foundation, Sandra L. Siedlecki, revela que a auscultação de música, durante uma hora por dia, de preferência com headphones para eliminar sinais do mundo exterior e (des)concentrar o cérebro, tem um efeito estatístico significativo na redução da dor, da depressão e na melhoria da auto-estima. E é um excelente antídoto para as insónias.
O estudo, financiado através de um predoctoral grant concedido a Sieldlecki pelo National Institute of Nursing Research, e publicado no Journal of Advanced Nursing (visitável, para os muitos curiosos), analisou o comportamento de 80 pessoas, com uma média etária de 50 anos, escolhidos de entre os doentes de várias clínicas de dor crónica e outras patologias dolorosas. Os eleitos foram divididos em dois grupos, um sujeito aos normais tratamentos sem mais, e outro à audição diária de música, durante uma hora e ao longo de uma semana. Pese embora o tipo de música tenha sido variado – rock, pop, música zen e new age, jazz, orquestral, harpa, e por aí adiante – o efeito foi muito positivo: a dor diminui até 20%! O iPod, para além de icon do início do milénio, é um elixir para as insónias e dores de costas oferecidas pelos nossos dias burocráticos.
E como faz bem à saúde e à alma, para depósito urgente no iPod, pela excelência e não pela novidade: Jazz of the Beat Generation, with readings by Jack Kerouac ( 2003) e «De cara a la pared», La Llorona, de Lhasa (1997).

7.1.07

A rota esquisita

Assumo a reincidência. Mas o nosso quotidiano está marcado pelo agendado evento referendário de 11 de Fevereiro. E depois do argumentário macroeconómico de António Borges, vem agora a perspectiva micro da porta-voz da «Plataforma Não Obrigada».
Esta «rota esquisita» em que entraram os – muito legitimamente, pois todos temos direito à opinião e à sua partilha, mas haja limites – defensores do «Não», apela ao que de mais português temos em nós: o sindroma do fado, da tragédia. E, simultaneamente, resquícios, quiçá dos tempos das especiarias: a ideia do mundo.
Tendo como referente estudos finlandeses, a Dra. Margarida Neto afirma que «quando as pessoas entram num rota esquisita ou num ciclo traumatizado, enquanto não forem tratados, estão sempre a repetir uma conduta auto-destrutiva». Isto para legendar os seguintes números e probabilidades: as mulheres que interrompem a gravidez tornam-se sete vezes mais vulneráveis ao suicídio, cinco vezes mais permeáveis ao consumo de drogas e álcool, e quatro vezes mais prováveis na reincidência. «Mais» do que a cidadã média. Vêem depois as que percentagens: 40% têm depressões; uma percentagem indefinida divorcia-se.
Fica o aviso: quantas pensem em descontinuar a gestação «têm de saber que aquilo que herdam é (a referida) complexidade de problemas». Herança, não antecedente.
Haja lugar a algumas opiniões e esclarecimentos:
1. Talvez seja de considerar que a angústia decisória de interromper uma gravidez é deriva de uma complexidade de problemas! Que esta descontinuidade não é movida pela mera vontade, antes pela necessidade de, justamente, fazer face a uma complexidade de problemas. O «ciclo traumatizado», fora do contexto do crime, será objecto de acompanhamento clínico.
2. Reincide-se na ideia da insustentável leveza do ser: quem interrompe a gravidez, repete, novamente, este acto de sofrimento angustiante, apesar deste ser motivador de divórcios, rupturas afectivas, probabilidade de sentimentos suicidas e tendência para o vício e dependências. E reincide em metade dos casos.
3. A tendência para a depressão pós-interrupção da gravidez é óbvia. Mas talvez devêssemos salientar que a depressão é uma condição associada à gestação, interrompida ou continuada. O processo de transformação orgânica e psíquica provocado pela gravidez, desde o primeiro momento, é de uma enorme intensidade, diferentemente recebida por cada mulher e reclamando uma reordenação psíquica cuja impossibilidade de acontecer pode tornar-se patente de início – e justificar a interrupção – e pode manter-se durante a gestação e mesmo até dois anos após o parto.
A Depressão Pós-Parto (DPP) é um quadro clínico severo e agudo que afecta entre 10 e 20% das mulheres, gerador de um quadro sintomático que vai da irritabilidade à tristeza profunda, desinteresse pelo dia-a-dia e pelo próprio filho, podendo chegar aos pensamentos suicidas e homicidas em relação à criança. Factores de risco estudados: sintomas depressivos durante ou antes da gestação; histórico de transtornos afectivos; primeiras mães; dificuldades na gestação; vítimas de carência social; mães solteiras; mulheres que vivem em desarmonia conjugal ou que se casaram como mera consequência da gravidez. Podem ainda surgir as psicoses pós-parto (em 2% dos casos) ou os «baby blues» (em 80%).
Existe um tabu cultural em relação à IVG, que, quando revisitado pelos que negam a despenalização, nos leva por uma «rota esquisita». Muitas vezes demagógica.
Que não vença nem a abstenção, nem a demagogia.

6.1.07

Eden Project



A fotografia do canto esquerdo suscitou curiosidade. Para os curiosos, o Eden Project não é o meu projecto de paraíso, publicitado ou partilhado no linha.de.conta.
O Eden Project é a maior ode à bio-diversidade vegetal do mundo, na Cornualha, onde se edificaram dois enorme biomas, aproveitando um vale que servia de poiso a velhas minas de caulino. As estruturas insufláveis são obra do arquitecto Nicholas Grimshaw (autor do Terminal Internacional de Waterloo e do Edifício da Bolsa de Valores de Berlim). Em rigor, são três os biomas: o tropical húmido, o temperado quente e o exterior.
A ideia do Eden é explorar a dependência humana das plantas e do mundo natural, potenciando-a e promovendo a investigação em áreas inovadoras. O objectivo final: a auto-sustentabilidade. O lema: «we chose the name Eden because we liked the idea that, if Man was thrown out of paradise for eating from the tree of Knowledge, maybe the way to return was to eat more of the same». As fotografias: minhas.

5.1.07

A tendência macroeconómica na campanha do referendo

Fazer da despenalização da interrupção voluntária da gravidez uma questão de finanças públicas é extraordinário. Já aqui tinha escrito, no Post do Sim: «se a vida humana não tem preço, este argumentário cola-lhe um preçário».
Ao cálculo económico - que necessita de prova matemática, que ainda não vi - de que cada aborto custará exactamente 650 euros, e que com esses exactos 650 euros podem fazer-se, em alternativa, «uma cirurgia média a pesssoas que estejam verdadeiramente doentes» (António Borges) ou outros problemas «como os dos doentes oncológicos ou com Alzheimer ou as listas de espera e a falta de médicos de família, aos quais o Estado não dá resposta satisfatória» (Maria José Nogueira Pinto), junta-se a extrapolação estatística. Aparentemente, com um grau de fiabilidade desconhecido, os números espanhois serão os números portugueses.
Descurando as regras de cálculo e previsão económicas em privilégio da informação assimétrica, António Borges remata, depois, com o argumento da injustiça fiscal da despenalização da IGV: os recursos públicos são escassos, não podem ser alocados a uma medida facilitadora «para quem encarou com ligeireza o controle da natalidade», sob pena de «o aborto se tornar numa forma de controlo de natalidade particularmente repugnante». Lá está, conceptualmente somos todos negligentes e irresponsáveis. Mulheres em particular.
Diria que só o imperativo de saneamento das contas públicas poderá ter inspirado este argumentário para-financeiro dos defensores do «Não». Diria, também, que decorre do princípio da igualdade, tal como previsto na Constituição, que o que é igual seja tratado de forma igual, e o que é diferente de modo diferente - portanto o Estado, enquanto decisor financeiro, toma quotidianamente decisões que penalizam «uns para beneficiar os outros». Chama-se a isso justiça social.
Mas já que a projecção económica (apresentanda como facto económico) foi chamada à discussão, alguem me poderá dizer quanto custam aos cofres do Estado os seviços de assistência médica a mulheres que abortaram sem qualquer cuidado ou preceito médico e são atendidas no SNS? E qual é o valor das interrupções voluntárias da gravidez na economia paralela, vulgo «mercado negro»?
Não preciso de saber, porque não sustento as minhas convicções na determinação do preço da dignidade da pessoa humana e da saúde pública ou nos critérios de finanças públicas da repartição de recursos.
Diria, por fim, que começa a revelar-se, pelo lado do «Não», a tendência macro desta campanha: vale tudo? Espero que não.

Chávez e amigos (América do Sul II)

«Eu sou o povo venezuelano». Hugo Chávez, aquando da reeleição para o seu terceiro mandato na presidência da Venezuela.
O hemisfério sul do continente americano é local único em revoluções, golpes militares e ditaduras de géneros variados. Na sua cruzada popular, Chávez é a Venezuela e expandiu a sua doutrina pelos países (agora) amigos, encontrando em Evo Morales o seu melhor discípulo. Como disse Joseph Stiglitz, em jeito de balanço do ano que se abandonava, «2006 testemunhou mais uma estrondosa rejeição das políticas neoliberais fundamentalistas, desta vez pelos eleitores da Nicarágua e do Equador».
Os Chefes de Estados sul-americanos - e estou a deixar Lula da Silva noutra gaveta - não são filhos de um Deus menor, mas da menoridade comissiva de instituições internacionais vocacionadas para a promoção do desenvolvimento económico. As relações económicas internacionais, afirma há muito o Stiglitz Nobel da Economia, Universitário de primeira água, antigo consultor económico de Bill Clinton e ex-economista-chefe do Banco Mundial, devem, enquanto se globalizam, humanizar-se.
Fosse eu venezuelana, boliviana, equatoriana e por aí adiante, não votaria nestes senhores. Mas compreendo a dificuldade dos verdadeiros venezuelanos, bolivianos, equatorianos e demais sul-americanos em não votar em alguém que reclama para os filhos da terra a gestão dos seus (muitos) recursos naturais, porque da gestão dos ditos mais ricos e desenvolvidos, não lhes chega nada. A estes, a reforma das instituições de Bretton Woods é uma conjunto de palavrões sem valência.

A Babilónia Europeia

No dia 1, a Europa tornou-se monetariamente mais plural (a Eslovénia é o décimo terceiro Estado Membro a aderir ao Euro) e mais poliglota, com a entrada do irlandês – gaélico, em rigor – para a lista de línguas oficiais da União. Na Europa, fala-se de 23 maneiras diferentes.
Eis a lista de línguas oficiais:

Bullgarski (Búlgaro)
Čeština (Checo)
Danks (Dinamarquês)
Deutsch (Alemão)
Eesti (Estónio)
Elinika (Grego)
English (Inglês)
Español (Espanhol)
Gaedhilge/Irish (Gaélico/Irlandês)
Italiano (Italiano)
Latviesu valoda (Letão)
Lietuviu kalba (Lituânio)
Magyar (Húngaro)
Malti (Maltês)
Nederlands (Neerlandês)
Polski (Polaco)
Português (Português)
Româno/limba româna (Romeno)
Slovenčina (Eslovaco)
Slovenščina (Esloveno)
Suomi (Finlandês)
Svenska (Sueco)

Aparentemente, a cada nova entrada linguística corresponderão perto de 3,5 milhões de euros por ano. Quando, em 2005, a UE falava 20 idiomas, cada cidadão europeu pagava cerca de 2,30 euros por ano para sustentar a engrenagem da tradução. Mas este esforço financeiro representa apenas 1% do Orçamento da União.
A minha preocupação é outra. E também muito plural.
A diversidade linguística é garantida pela Carta Europeia dos Direitos Fundamentais (artigos 22.º e 21.º), no mapa de uma «Europa dos Povos Europeus» e não de um europeu-povo. Estima-se que cerca de 40 milhões de cidadãos europeus (a cidadania europeia adquire-se pela condição de cidadão de um dos 27) usem regularmente uma língua distinta da tabela de línguas oficiais acima – as designadas «línguas regionais ou minoritárias», que até podem ser oficiais no Estado Membro. Nós temos o mirandês. Os espanhóis têm o catalão, o basco e o galego – que têm já estatuto de língua semi-oficial no seio da UE – mas também o aragonês, o asturiano e o occitan (igualmente falado no Mónaco, em Itália e no sul de França, estimando-se que seja a primeira língua de perto de 2 milhões de pessoas). Só o catalão é falado por 7 milhões, em Espanha, França e numa cidadela da Sardenha que dá pelo nome de Alghero.
Falando na Sardenha, por lá conversa-se em sardo. Entre os franceses, por seu turno, ainda estão falantes de bretão, corso e franco-provençal. Na Grã-Bretanha, além do óbvio inglês, há ainda sonoridades em gaidhlig (gaélico escocês), céltico, cornish e galês.
Estão cansados? Eu também! Mas continuemos: na terra dos esquimós fala-se ainda saami ou lapão, uma família de línguas utilizada no norte da Finlândia, Noruega, Suécia e na Península de Kola, na Rússia; no Luxemburgo ouve-se luxemburguês (que é língua oficial naquele país). Referência ainda ao frísio, língua frísia ou frisã, audível na Alemanha (onde também temos o serbski ou sorábio) e nos Países Baixos.

Nesta Babilónia Europeia, duas questões se levantam: se falamos quantitativamente de modos tão variados, o que é que nos une e serve de base à Constituição Europeia que é já morta mas ressuscitou mas vai ainda ressuscitar? Se falamos qualitativamente de formas tão diversas, poremos em marcha as políticas comuns – a da energia, recentemente nomeada o problema sócio-económico do milénio – e solidificaremos o mercado comum – agora com lanças nos EUA, pela mão da Senhora Merkel?
Aquilo que nos une, apesar da quantidade, é a «europeianidade»: não apenas o sentimento de uma comunidade de destino, ou sequer de origem, mas uma identidade europeia, experiência de identidades acumuladas na diversidade (linguística inclusive, porque as línguas são muitas, mas as suas famílias menos). Esta «europeianidade» é o verdadeiro substrato fundacional da União (Política) Europeia, e reclama um impulso constitucional que associe os europeus faladores de tantas e distintas línguas ao projecto da Europa. Mas, já dizia o meu Mestre António de Sousa Franco, «o que se vê (teoria) e o que se deseja (ideologia) não são facilmente separáveis».
A Constituição morreu? Viva a Constituição!

4.1.07

Contra o dia burocrático e o modo funcionário de viver

O lema do linha.de.conta é uma apropriação adaptada de parte do Adeus Português, de Alexandre O’Neill:

(…)
Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

(…)

E uma intenção.

A Lei de cá e a Lei de lá

O João Gonçalves, do Portugal dos Pequeninos – que costumo ler ainda é pequenino o dia – escreve hoje sobre a desnecessidade de alterar a lei portuguesa, no caso, o Código Penal, no que toca à interrupção voluntária da gravidez, pois face à «clausula aberta» do artigo 142.º, n.º 1, alínea a) do dito Código, semelhante à espanhola e que tão bem serve por lá, a defesa do “sim” é «uma mera afirmação política de um “sim porque sim”.
Eu gosto de pensar que defendo o Sim, por convicção social antes de política (mas como a política versa sobre o social…), e um “sim porque documentada a sua necessidade”. Sem qualquer pretensão de irritar o João.
De facto, a alínea a), do n.º 1 do artigo 142.º do nosso Código Penal, contém uma «clausula de abertura», na medida em que estabelece a não punição do chamado «aborto terapêutico», quando este constitua «o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida» (é na referência à saúde psíquica que se encontra a referida «abertura»).
Em Espanha, todavia, o n.º 1 do artigo 414 bis do Código Penal (introduzido pela Ley Orgânica 9/1985, de 5 de Júlio, de Despenalizacíon del aborto en Determinado Supuestos, e mantido pela Ley Orgânica 19/95), estatui a não punição do aborto em circunstâncias em «que sea necesario para evitar un grave peligro para la vida o la salud psíquica de la embarazada y así conste en un dictame emitido com anterioridad a la intervención por un médico de la especialidad correspondiente, distinto de aquél por quien o bajo cuya dirección se practique el aborto. En caso de urgência o riesgo vital para la gestante, podrá prescindirse del dictamen y del consentimiento expreso».
As diferenças entre a lei de cá e a lei de lá, ou entre uma e outra «clausula de abertura», resultam de um conjunto de situações:
1. um palavrinha apenas faz a diferença, na interpretação do espírito do legislador e na tarefa do interprete directo da norma, médico, e do interprete jurídico: por cá diz-se «o único meio de remover perigo<»; por lá, «que seja necessário para evitar um grave perigo»;
2. os médicos espanhóis ofereceram a abertura interpretativa necessária para conferir eficácia prática e utilidade à norma; de tal sorte que a interpretação jurídica se lhes seguiu, e a jurisprudência acolheu a posição médica maioritária sobre a questão. Em Espanha, um grande número de interrupções voluntárias da gravidez acontecem a partir de uma interpretação médica aberta do pressuposto «saúde psíquica», com a concordância (reactiva ou passiva) dos tribunais. Por cá, só a leges artis, e mesmo essa…
Naturalmente, a objecção de consciência está ao dispor de qualquer médico castelhano.
3. Por lá, a doutrina entende que no âmbito do direito fundamental à protecção da saúde (artigo 43.º da Constituição Espanhola), compreendendo o direito à planificação sexual e à maternidade, incluí-se o acesso à informação sexual, a métodos anticoncepcionais e à «interrupción voluntária del embarazo».

Esta é a razão pela qual em Espanha não se queixam, e em Portugal aquela clausula não serve. Na minha opinião, naturalmente.

Acima de tudo, o que gostava mesmo é que a abstenção não regressasse à vitória. O Correio da Manhã aponta hoje como tendência o ascenso da abstenção, de 41,3% em Dezembro, para 43,2% no início deste Janeiro. Em 1998, foram 68,1% os abstencionistas.

3.1.07

Quiosque

Na sexta-feira, o Emídio Fernando, ex-jornalista da TSF e autor de O Último Adeus Português (História das Relações entre Portugal e Angola do Início da Guerra Colonial até à independência), trará ao ano novo novidades de quiosque.

Ao Portugal...

...dos Pequeninos e ao seu criador, João Gonçalves, agradeço os votos de boa estadia na blogosfera. E também ao José Reis Santos, da Loja de Ideias. Parece que o meu «Post do Sim» foi levado em «linha.de.conta».

Em linha de conta: as origens

A expressão «em linha de conta» remonta ao secular antepassado do Tribunal de Contas, a Casa dos Contos, onde os documentos justificativos das verbas registadas nos livros das receita e das despesa dos «oficiais de recebimento» eram enfiados na linha de conta, trespassados por uma agulheta à medida que eram verificados e arquivados numa enfiadura de cordel rematado pela dita agulheta.
De acordo com as suas origens financistas, deve ter-se em linha de conta tudo quanto não revela natureza dúbia e deva ser creditado como correcto e verificável. Como o linha.de.conta. E não entrará em linha de conta o facto ou documento duvidoso, que deve ser banido e rejeitado como inverosímil.
(Ver A Casa dos Contos, Virgínia Rau, 1951)

Tango ou «Corralito»? (América do Sul I)

Em Dezembro de 2001 o Presidente argentino Fernando de la Rúa observava o princípio do fim no seu país. A oposição peronista era, desde Outubro, a força política dominante, pulverizando a base de poder De la Rúa.
A Argentina havia experimentado anos de grande sucesso económico até inícios dos noventa, e vigorava a regra da paridade peso/dólar: um peso argentino valia um dólar americano. O que, até então, permitia aos argentinos dar largas à sua conhecida sobranceria.
Em 2001, a Argentina vivia um pré-colapso social e financeiro. Com «o céu a desabar sobre as suas cabeças» - supremo temor dos gauleses de Goscinny e Urdezo – os argentinos correram aos bancos para levantar as suas poupanças. Resultado: o dinheiro em circulação escasseou e o Governo decretou o «Corralito», restrições dramáticas ao levantamento dos depósitos bancários. Um quase-confisco massivo do aforro popular.
A contestação social agigantou-se. Em 20 de Dezembro, De la Rúa demitia-se, seguindo o seu Ministro da Economia, Domingo Cavallo, ainda hoje odiado na Argentina do «Corralito». E, finalmente, com o quarto presidente em menos de duas semanas a fazer juramento, o peronista Duhalde, a convertibilidade caiu.
Estive em Buenos Aires em 2004, e a manifestação semanal na Calle Florida, a rua mais comercial da cidade, repleta de agências bancárias, mantinha-se. As «Madres de la Plaza de Mayo» continuavam a manifestar-se todas as quintas-feiras pelos desaparecidos na «guerra sucia». Os argentinos perderam uma parte-de-leão do seu aforro.

No dia 27 de Dezembro do ano que passou, a Corte Suprema de Justicia de la Nación da República Argentina, decidiu, numa das muitas pendências do «Corralito», que um depositante do Bank Boston NA tem direito ao reembolso do seu depósito convertido em pesos, à relação de 1,4 pesos por dólar, mais juros à taxa de 4% ao ano.

No dia 27 de Dezembro de 2006, no mercado cambial, um dólar americano valia 3,07933 pesos argentinos (um peso = 0,32474 dólares).
Ainda «encurralados», como podem os argentinos dançar, finalmente, um novo tango?

Mais sobre os altos e baixos da próspera/pobre/abastada/paupérrima Argentina: Historia de La Crisis Argentina, Mauricio Rojas
Para interessados: www.csjn.gov.ar

2.1.07

As boas-vindas

No meu dia de estreia na blogosfera, obrigada pelas boas-vindas: do FAL, do João Villalobos e do Pedro Correia, do Corta-Fitas; do José Medeiros Ferreira, dos Bichos Carpinteiros; do Ricardo Correia, do legalices. O João Villalobos e o Ricardo Correia questionaram-me, via e-mail: e os comentários? Por agora: linhadeconta@hotmail.com.
Sinto-me bem-vinda.

1.1.07

O Post do Sim

A segunda consulta popular relativa à despenalização da interrupção voluntária da gravidez – até às dez semanas, por opção da mulher, realizada em estabelecimento de saúde legalmente autorizado – será dia 11.02.2007. Neste país que tanto gosta de falar de oportunidades perdidas, o colectivo perdeu a oportunidade para tomar uma posição definitiva – tanto quanto o definitivo pode ser intemporal – em 98, no primeiro referendo.
Fazendo o registo de interesses, sou absolutamente a favor do sim neste referendo. Não sou intolerante face a perspectivas distintas. Pese embora com dificuldade as compreenda.
O Direito Penal deve evoluir absorvendo aquilo que da moralidade social a colectividade vai consolidando como seu. E à letra da lei deve reagir-se em conformidade com o consenso social que lhe deu origem. A questão da IVG não será, porventura, tão pouco consensual como se faz crer. Simplesmente é dada à intensidade de posições e, nomeadamente, quem acredita no não acredita mesmo.
Eu acredito no sim, e acredito mesmo. Há um conjunto de direitos fundamentais que entram em conflito aparente, nesta matéria. No centro de todos, o direito à vida. Direito de quem? Vida em que condições de afectos, possibilidades, normalidade? Vida em que sentido? Filosófico, científico, jurídico, teológico? Nunca ninguém definirá com precisão quando se começa a viver. O subjectivo não é passível de objectivação.
A saúde pública, que neste contexto é uma consequência do direito à vida. Quem não pretende levar ao fim uma gravidez, dá-la-á por conclusa ilegalmente. Provavelmente porque a comunidade lhe falhou em todos os momentos: antes, porque a educação sexual, o planeamento familiar, a prevenção – todas as alternativas à medieval abstinência – têm de acontecer, mas podem falhar; durante, porque interromper a gravidez é crime, e só na penumbra possível e numa percentagem elevadíssima de casos sem qualquer preparo ou cuidado médico responsável; depois, porque ninguém se desfaz da possibilidade da maternidade só porque sim, e ninguém está cá para acompanhar a psique alterada de uma mulher que toma esta decisão. No depois, a sociedade só aparece para tentar remediar o resultado do seu absentismo, quando tudo correu mal e as mulheres morrem ou ficam com sequelas para a vida, e tentámos salvá-las.
Não sou a favor do aborto. Sou a favor da despenalização da IVG, até às 10 semanas, a pedido da mulher. Sou a favor da opção e da liberdade, porque não acredito num direito de todos a influenciar por esta via a vida de cada um. A intromissão do Estado deve terminar onde começa a beliscar, magoar e interromper o princípio da dignidade da pessoa humana: o être soi, right to be yourself, the right of the pursue of happiness.
Não deixo números, mas a interrogação: seremos – as mulheres – cronicamente irresponsáveis, unilateralmente decisoras do destino de uma gravidez, e friamente capazes de tudo? A vida deve ser precipitada a todo o custo, sem qualquer garantia de dignidade do involuntário ser humano?
Ah, e não me digam que não querem ver os vossos impostos destinados ao SNS e à realização de IVG. Não me digam que serão muitos milhões gastos em interrupções de gravidezes. Se a vida humana não tem preço, este argumentário cola-lhe um preçário.

P.S. Não, não sou a Marta Rebelo do «Blogue do Não». Há mais Marias na terra, como diz o povo. Esta Marta Rebelo, que do «linha.de.conta» vos escreve, apenas poderia participar no «Blogue do Sim.». Sim.

365 dias em 2007